março 15, 2021 Por André Angelo 0

Os Limites da Liberdade de Expressão: uma coisa é censura, outra é responsabilização


Não se condenam opiniões, visões de mundo ou o fazer humor, mas o abuso da liberdade de expressão quando se fere outros direitos que merecem igual proteção.
O ordenamento jurídico brasileiro é composto por diversas normas jurídicas. O que as distingue de outras normas, como as normas morais e religiosas é o seu caráter imperativo e as sanções que advém do descumprimento, podendo acarretar em perda do patrimônio, da liberdade ou, em última análise, em perda da própria vida no caso de pena de morte (no Brasil, admitida apenas em caso de guerra declarada em crimes muito específicos).
Pelo raciocínio, a liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, se enquadrará dentro das normas jurídicas como um princípio por ser um mandamento de otimização e ter a possibilidade de colidir com outros direitos, como os relativos à honra, imagem, personalidade.
Se a questão ficasse restrita apenas ao embate das ideias no plano do contraditório comunicativo não se trataria de um real problema que merecesse tanta atenção.
O problema, contudo, se verifica quando os debates — de modo preocupante e mesmo perigoso — acabam ensejando ou medidas oficiais de constitucionalidade altamente questionável ou manifestações ostensivamente hostis e de caráter ameaçador e silenciador da livre expressão do pensamento, da arte e mesmo da liberdade de crença.
É muito comum que se confunda o resguardo desses direitos como censura, contudo, respeitado o entendimento contrário, essa é uma conclusão equivocada, pois a censura pressupõe uma exceção prévia a manifestação do pensamento ou, ainda, um silenciamento posterior com base em meros pressupostos de ordem ideológico-políticos o que é totalmente diferente da responsabilização de pessoas que abusam da liberdade de expressão ao ponto de lesarem outros direitos.
Uma coisa é a censura, totalmente inadmissível, outra coisa é a responsabilização de pessoas que extrapolam os limites e lesam o direito de outras pessoas.
O caso que atualmente repercute do comediante e apresentador Danilo Gentili, ganhou grande repercussão nas redes sociais e meios de comunicação. Alguns manifestaram apoio à condenação, enquanto outros entenderam que seria uma afronta à liberdade de expressão.

Seria mesmo a sentença como uma afronta à liberdade de expressão? Como todos os outros direitos, não é um direito absoluto. Não há como defender que aquele que injuria, calunia e difama está apenas utilizando o seu direito de expressão. É perfeitamente possível expressar as suas ideias sem atingir a honra do outro.

O próprio texto constitucional, ao garantir a livre manifestação de pensamento, mas vedando o anonimato, reconhece a existência dos limites da liberdade de expressão. O ser humano que vive em sociedade deve ser responsável pelas suas palavras. Justamente por esse motivo, não pode ser acobertado pelo anonimato.

Danilo Gentili sabe bem disso. A prova é tanta que ele já processou ao menos quatro pessoas por crimes contra a honra.
O que vale para um, vale para todos. A conduta de defender a liberdade de expressão irrestrita e processar outros pelos mesmos motivos, é, no mínimo, hipócrita.

Porém, se esclarece favorecimento à descriminalização dos crimes contra à honra. O princípio da ultima ratio é completamente incompatível com os referidos crimes. Além disso, acredito que o Direito Civil confere um tratamento mais adequado à questão, a partir da ótica do dano moral e da necessidade de reparação de danos. Onde o Direito Civil consegue atuar de modo eficaz, não há motivo para convocar também o Direito Penal.

Sofrer uma condenação criminal gera consequências muito graves, as quais extrapolam a própria pena. Não parece razoável que uma fala possa gerar esse tipo de consequência.
Ademais, acredita-se que uma indenização proporcional, levando-se em conta o dano causado e a condição econômica, é muito mais eficiente para reprimir a ação do que a pena de prisão ou restritiva de direitos.


A liberdade de expressão, portanto, pode ceder para que haja a promoção de outros valores constitucionais relevantes. A própria Constituição Federal trata de estabelecer limites legítimos a liberdade de expressão em seu Art. 5° por meio dos seguintes incisos: “IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; e X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
O mesmo exemplo supracitado serve para o Deputado Federal Daniel Silveira (PSL-RJ), foi preso, ficando quase um mês na cadeia, por medida monocrática do ministro Alexandre de Morais, pelas séries de ofensas aos onze togados do STF.
É a própria Constituição que estabelece alguns limites para a liberdade de expressão, limites esses que se fundam em outros direitos constitucionais relevantes resguardados e que são objeto de tutela do direito penal, por meio dos crimes de injúria, calúnia e difamação; os conhecidos crimes contra a honra.
Portanto, quando há responsabilização de pessoas pelos excessos na liberdade de expressão, não se trata, de forma alguma, de censura, patrulhamento ideológico do “politicamente correto” ou qualquer outra dessas coisas que se diz por aí.
Trata-se, sim, do resguardo de direitos fundamentais tão relevantes quanto a liberdade de expressão e que devem ser respeitados. É uma medida de ponderação do próprio direito, onde nenhuma regra ou princípio são absolutos.
Não se condena ninguém, civil ou criminalmente, por meras opiniões, visões de mundo ou por fazer humor, condena-se pelo abuso da liberdade de expressão quando fere outros direitos fundamentais de outras pessoas que merecem igual proteção. Injúria, calúnia e difamação são crimes e ilícitos civis, o que não pode se confundir com exercício de liberdade de expressão.
É dos princípios que se aprende no berço: “seu direito termina onde começa o do outro”.

Fontes: Canais Fontes Criminais, Roberto Montanari Custódio (justificando.com)