Como forma de organizar o caos nas unidades de saúde, a Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal adotou o sistema de classificação de riscos por bandeiras, que correspondem às cores de classificação que os pacientes recebem quando são triados. Assim, se a unidade está em bandeira vermelha, ninguém com classificação de risco de outra cor será atendido nesse hospital.
Em tese, não é uma ideia ruim. Mas quando o sistema inteiro tem déficit de pessoal, em especial médicos, não resolve muita coisa, pois o paciente fica sem alternativa de atendimento ou obrigado a perambular de porta em porta até encontrar uma unidade de saúde (hospital, UPA ou UBS) que o acolha ou, pior ainda, até sua condição de saúde se deteriorar e a gravidade do caso requerer a admissão imediata. Ou seja, é uma gestão de risco para a administração e não para o paciente.
Há poucos meses, em um plantão de bandeira vermelha no Hospital da Região Leste (do Paranoá), uma pediatra que atendia crianças em condição grave foi abordada por um policial militar lhe dando ordem para atender um paciente de classificação laranja. Diante da alternativa de ser levada para a delegacia e autuada (deixando os pacientes desassistidos), atendeu ao “pedido” da autoridade policial. No plantão seguinte, pediu demissão. Era uma profissional competente, com mais de 10 anos de Secretaria de Saúde.
O fato é que as condições de trabalho dos médicos na rede pública de saúde estão se deteriorando de forma assustadora. Isso é provocado, em parte, pela falta de profissionais da área nos quadros do serviço público do DF. O edital do concurso recém-lançado é insuficiente. Na especialidade de clínica médica, por exemplo, foram disponibilizadas 20 vagas.
Só na emergência do Hospital Regional do Gama, o déficit é de 18 clínicos. Nem o cadastro de reserva, duas vezes maior que o número de vagas oferecidas, resolveria o déficit atual de algumas especialidades.
Sabe-se de antemão que 30% dos aprovados não vão assumir ou, ao encontrar as condições de trabalho adversas como estão e os salários que não compensam os riscos que a profissão envolve, não vão ficar – em especial nas unidades localizadas nas cidades mais distantes e com uma demanda mais pesada, como os hospitais de Ceilândia, do Gama e de Planaltina.
Nas unidades sob administração do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do DF, o IGESDF, a situação não é melhor. O processo de contratação é simplificado e o salário um pouco maior, mas sem condições dignas de trabalho, com alta demanda e sem a estabilidade do contrato estatutário e a possibilidade de progressão na carreira, também é difícil contratar e mais ainda manter profissionais.
Enquanto não se contratar profissionais em quantidade adequada para equilibrar a carga de trabalho, a tendência é de o esvaziamento piorar e o sofrimento dos pacientes aumentar. E é necessário rever a remuneração das categorias profissionais que estão muito abaixo do mercado de trabalho, sob pena de se perder esses profissionais para a iniciativa privada.
Além disso, a exemplo do que o Ministério Público exigiu que a SES-DF fizesse em relação aos leitos de UTI, a Secretaria de Saúde deveria dar publicidade diária à condição de atendimento, ou as bandeiras, das unidades de emergência de todo o Distrito Federal. Assim, pelo menos, o paciente saberá em que porta não adianta bater. Não resolve o sofrimento do paciente, nem a sobrecarga de trabalho dos profissionais de saúde, mas pelo menos ameniza o drama da peregrinação de pacientes desesperados pelas unidades de saúde da cidade.
Pelo estado atual das unidades públicas de saúde do Distrito Federal, a bandeira vermelha, além de ocorrer nas nas emergências, deveria ser decretada nos gabinetes dos responsáveis pela perpetuação do caos nas unidades de saúde.
Texto: Dr. Gutemberg Fialho
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